As restrições do Ministério do Comércio da China à Nexperia podem travar indústria automóvel europeia. Em Portugal, mesmo que não haja impacto direto, a indústria automóvel pode sentir efeitos indiretos
A indústria automóvel europeia volta a enfrentar sinais de alarme na cadeia de fornecimento de semicondutores. Após a recente decisão do Ministério do Comércio da China de restringir exportações ligadas à Nexperia, vários construtores e fornecedores internacionais começam a avaliar possíveis impactos que podem, mais cedo ou mais tarde, repercutir-se também em Portugal.
Construtores e fornecedores em alerta
Entre os grupos que já admitiram riscos estão a BMW, que confirmou efeitos sentidos por parte da sua rede de fornecedores, e a Volkswagen, que declarou estar a mapear as potenciais vulnerabilidades relacionadas com chips da Nexperia.
Também a Stellantis está a monitorizar a situação e fornecedores como a Bosch são referidos pela imprensa internacional como utilizadores destes semicondutores em componentes electrónicos.
Já a ACEA, associação que representa os construtores automóveis europeus, foi mais longe, ao alertar que “todos ou quase todos” os fabricantes poderão ser afectados caso a situação não se resolva rapidamente.
A origem do problema
Este contratempo tem origem num braço-de-ferro político e económico. O governo dos Países Baixos decidiu assumir o controlo operacional da Nexperia, alegando falhas de governação e preocupações de segurança nacional, devido à ligação da empresa à chinesa Wingtech Technology.
Como resposta, o Ministério do Comércio da China limitou a exportação de determinados componentes que são produzidos em fábricas da Nexperia em território chinês.
O resultado é um bloqueio na cadeia de fornecimento de semicondutores que, embora menos sofisticados do que os chips usados em computadores de ponta, são essenciais no sector automóvel, porque controlam desde sistemas de segurança, iluminação ou gestão de energia, além de integrarem inúmeros módulos electrónicos, como aqueles que asseguram o accionamento correcto da abertura de vidros e portas.
O risco é voltar a repetir-se um cenário semelhante ao vivido durante a pandemia de Covid-19, quando milhares de automóveis ficaram parados à espera de alguns sistemas e várias linhas de produção tiveram de ser suspensas por falta de componentes.
Indústria automóvel em Portugal pode também ser afectada?
Em Portugal, não existe confirmação pública de que fábricas ou fornecedores comprem directamente à Nexperia.
No entanto, a realidade é mais complexa.
Os semicondutores podem estar integrados em módulos electrónicos fornecidos como componentes finais fornecidos a fábricas de automóveis em Portugal, como a Autoeuropa a da Stellantis em Mangualde, bem como aos fabricantes de componentes para a indústria automóvel que operam em território português.
Isto significa que o impacto também pode chegar de forma indirecta, provocando inevitáveis atrasos ou falhas em peças aparentemente distantes do problema inicial.
Além disso, a própria maquinaria usada na produção automóvel depende de módulos electrónicos que recorrem a chips básicos, como os que a Nexperia fabrica. Assim, mesmo que a cadeia de fornecimento de veículos não sofra de imediato, pode haver dificuldades na manutenção ou reparação de equipamentos industriais, com reflexos na eficiência produtiva.
Uma incerteza que paira sobre a mobilidade
Para já, não há paragens de produção reportadas na Europa, mas a tensão geopolítica em torno da Nexperia coloca o sector indústria automóvel em estado de alerta, assim como os decisores políticos, dada a dimensão que representa em termos económicos e sociais.
Para entender a vulnerabilidade deste sector, é importante recordar que a indústria automóvel pratica largamente o sistema Just in Time (JIT).
Neste modelo, os componentes e semicondutores chegam à linha de produção exactamente quando são necessários, sem acumular stocks significativos. O JIT reduz custos de armazenamento, aumenta a eficiência e permite maior flexibilidade na produção, mas também gera um risco elevado em situações de ruptura da cadeia de fornecimento, como aquele que agora ameaça poder vir a acontecer.
Os construtores acompanham de perto a evolução do conflito entre Haia e Pequim, enquanto aos fornecedores é sugerido diversificar as origens de semicondutores e aumentar as reservas de segurança. Para acautelar futuras situações, possíveis de acontecer perante a escalada das tensões económicas a que temos vindo assistir.
Em Portugal, onde a indústria automóvel representa uma fatia relevante das exportações e do emprego, a questão é clara: mesmo sem impacto directo imediato, a exposição indirecta pode tornar-se real.
Tal como no passado recente, basta uma falha num pequeno chip para imobilizar milhares de automóveis.












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